segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

I - Anunciação

No fim do mundo exitem dois guardas. Um só fala, o outro só faz.
- Cuidado aonde pisa, rapaz.
Era um lugar desolado, não havia almas, nem prédios ou estradas, carros ou espadas perdidas.
- Está pronto? – Perguntava o guarda, enquanto o outro preparava sua carabina.
A luz era espessa, cravando o chão desértico como agulhas por entre as nuvens que deixavam o clima obscuro. Não se conseguia prever de que lado a machadada viria, ou se haveria uma ponte que levasse pelo menos a algum lugar menos apocalíptico. Mas nem que se quisesse procurar se encontraria. O guarda falava de coisas que não existiam mais naquele momento, enquanto o outro continuava armando sua carabina, enchendo-a de pólvora e vidro, pétalas de algo negro caiam sobre os ombros de todos ali presentes (o que não passava de três). A entrada era ali, mas não se sabia pra onde e se haveria saída a partir do momento em que a carabina disparasse e o abismo se abrisse.
- Responda rapaz! Está pronto?
Não havia mais salvação. Nem tempo. Estava pronto pra morrer ali, no fim do mundo. Todos os dias passaram por ali, todas as ventanias e desejos, límpidas margens e céus cinzas de cidades modernas. Separando as pernas, disse então:
- Não. Mas não há tempo né?
O guarda sorriu. Olhou para o outro terminando o seu ritual sagrado. Agachado ele sorria para sua carabina e nada falava. A onda negra que cada segundo aumentava mais anunciava o que iria acontecer. A nuvem ficava cada vez mais espessa, turva, bloqueando os fios de luz que a atravessavam e queimavam o chão, deixando apenas alguns poucos que ainda teimavam por atravessá-la.
- Pelo contrário, aqui você tem todo o tempo do mundo. Ele já ta pronto.
O outro guarda saiu de seu transe e se levantou rapidamente. Engatilhou a carabina e apontou em direção ao rapaz. Já se podia sentir a brisa leve que passava por debaixo da nuvem cinza e que não refrescava em nada. O suor começava a saltar da testa do rapaz, enquanto continuava a ver sua vida toda passando na sua frente. O guarda que só faz continuava sério, agora mirando como se mira a um disco que paira no ar, pronto pra ser estilhaçado. O suor desce pela têmpora e escorre para o peito, o alvo do guarda. O guarda que só fala tira uma venda do bolso e a coloca no rapaz.
- Acredita em Deus?
- Não.
- Então comece a acreditar.
Nisso, as luzes que invadiam a névoa cessaram. Sem visão, o rapaz suava mais e mais. A chuva de fuligem e pétalas negras se acentuara e as visões se tornaram insuportáveis para ele. O silencio arrebatador deixava-o mais nervoso ainda, esperando pelo tiro fatal. Silencio absoluto.
“Fechem as janelas, as portas, os portões, pois o absurdo se instalou em nossas ruas e avenidas, praças e drogarias. Calabouço do inverso plaina como uma nuvem de fogo, queimando os céus e transformando as rosas em trovões. Troquem as fechaduras das almas, o espetáculo é marítimo e as ondas não serão sentidas enquanto as paisagens interiores se seguirem sempre as mesmas. Anuncio do fim do mundo, perdido e criador. O caos é ordem. O tiro é salvação”
- Pronto?
Os dois balançam a cabeça, como se não houvesse outra resposta.
O som do gatilho
Ouve a própria voz enquanto grita.
Então o tiro.
Descanse em paz. Dois segundos.







[Esse é o primeiro capitulo do livro que eu estava escrevendo e esqueci completamente. Legal né?]

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